(texto de Cintia Moscovich, fotos Beth Zir)
Já faz alguns anos, decidi trabalhar em casa e que iria viver de literatura. Aqui, à sombra de uma mangueira centenária, planejei escrever, ler, traduzir e dar minhas aulas particulares de criação literária. Aqui, iniciei uma ainda pequena coleção de obras de artistas gaúchos e também decidi estudar jardinagem para recompor o antigo pomar.
Pensei que, na medida em que se tornasse possível, iria reformando esse imóvel de família, adaptando a casa da década de 30 às nossas necessidades e, claro, aproveitando a companhia generosa de gatos e cachorros.Como bandidos entraram em casa mais de cinco vezes ao longo de 27 anos, fomos erguendo um sistema de segurança poderoso. Também fui montando um arsenal de ferramentas que parafusam, desentortam, perfuram e desengripam: faço os reparos em casa por minha conta e risco. É verdade que às vezes me acontecem uns canos de água furados e curto-circuitos de filmes pastelão. Não importa muito. Importa é que todos os esforços são para a casa reunir minha família e meus amigos, pensando ser local de descanso, recolhimento, reflexão - e algum divertimento, que também merecemos.
Agora, leio numa edição de Zero Hora que a Polícia Civil está numa verdadeira cruzada contra os pichadores, com punições mais severas, enquadrando os infratores no crime de formação de quadrilha. Como já tive a fachada de casa pichada e como me coloquei, munida de pincel e tinta, a a pagar a sujeirada, achei que a iniciativa veio em boa hora. A lógica é solar: não adianta ficar passando descompostura e dando pena alternativa a quem desrespeita o patrimônio alheio e, pior, o cenário público e privado da vida em sociedade. Quem ama sua casa e já foi agredido, como eu fui e continuo sendo por conta de grossa desconsideração, sabe do que estou falando.
Mas tem mais. Também em ZH, leio uma carta de uma leitora sugerindo que, nesta época de férias, as pessoas sejam "conscientizadas" de que "não devem" abandonar seus animaizinhos de estimação na praia e muito menos jogá-los pela janela em plena freeway.
Conscientizar? Ainda precisamos ensinar que a vida, qualquer vida, nunca é menos que sagrada?
Acho que o desrespeito ao direito alheio, sair por aí passando spray na parede alheia e abandonar animais estão liados a uma espécie de falência nas relações e nos valores básicos entre humanos, aqueles que tento preservar na minha casa de riponga tardia. Acho que pichações e crueldade contra animais - só para citar dois exemplos - devem ser, sim, criminalizadas, uma espécie de Tolerância Zero a valer e de uma vez por todas. Para arrumar os pequenos problemas domésticos, a gente pode contar com uma boa caixa de ferramentas. Para arrumar os grandes problemas da sociedade, a gente deve contar com leis duras e objetivas, que sejam aplicadas e cumpridas.