"Onde reinam intenções honestas,
mal entendidos podem ser curados
com rapidez e eficácia."

29 de janeiro de 2012

Encontrando respostas - "Uma razão para viver"

     Andei ausente do blog por alguns dias e conto o motivo. Os questionamentos íntimos sobre o último ano de vida da mãe tomaram conta do meu coração. Era um tal de, será que? e se? deveria ter feito... ou deveria ter deixado de fazer... Enfim, sensações desagradáveis começaram povoar meus pensamentos, atordoando minhas certezas quando ontem, ao ler o jornal Zero Hora deparei com o texto que transcrevo, escrito pelo médico J.J.Camargo e ilustrado por Edu.

     "Quando percebemos que é possível curar alguém com uma doença grave, provavelmente açodados pela sensação (maravilhosa) do poder, tendemos a ignorar o que pensa o paciente sobre o que deve ser feito, até porque parece inaceitável que ele queira menos do que ficar curado.
     Entretanto, a experiência demonstra que, por mais surpreendente que isso possa parecer, não é bem assim.
     A maioria dos velhos vê a morte com uma naturalidade incompreensível aos mais jovens. Eles usam a equação amor para dar/amor para receber como critério para decidir se vale a pena, porque têm a convicção de que qualquer esforço ou sofrimento só é justificável se, depois de tudo, houver uma vida prazerosa para desfrutar. E a maturidade médica exige um nível de compreensão e respeito às decisões que envolve, antes de mais nada, a preservação da liberdade de escolha.
     Quando anunciei ao Reinoldo que ele tinha um tumor pequeno, sem nenhum sinal de disseminação local ou à distância, e que estava indicada uma cirurgia que ele tinha plenas condições de tolerar porque aos 86 anos não apresentava nenhuma comorbidade importante, eu era uma certeza só.
     Ele ouvia tudo com altivez, sem questionar, como quem mantém o comando e quer apenas obter algumas confirmações.
     A primeira pergunta foi inquietante: "Que tempo terei se não fizer nada?" Não consegui fugir da resposta: "Mais ou menos uns dois anos".
     "Acho que esse tempo é, na verdade, mais do que preciso! Depois que minha amada morreu, há três anos, fiz a bobagem de vender o nosso canto e tenho rodado a cada três meses pelas casas de meus quatro filhos. Nessas 12 mudanças de domicílio, não consegui ignorar o desencanto que provoco em cada chegada e o alívio indisfarçado em cada partida. E não há como negar que eu atrapalho a rotina deles. Cansei, meu doutor. Acho que já é tempo de dar um fim a este rodízio."
     Havia gratidão para explicar o abraço de despedida mais prolongado, e consegui dele a promessa de que voltaríamos a conversar. Porém já antecipava a dificuldade de arranjar argumentos para contrapor à crueldade daquela lucidez.
     Fiquei com uma desagradável sensação de que se aprendemos a fazer com que nossos velhinhos vivam mais, estamos muito longe de entender que esta conquista só se justifica se dermos utilidade à vida deles. Se não, viver mais para quê?"


     Agora, lendo o texto concluo que devo encerrar este ciclo de culpas e entender que ninguém, com 86 anos, sentindo dores físicas e imensas dores na alma como morte de neta e filho, pode desejar permanecer por mais tempo na terra, dependente de ajuda para as mais elementares atividades da vida.
     No momento tenho a firme convicção de ter feito o correto. Proporcionei para a mãe nos seus últimos dias, conforto  e muito carinho, fazendo todas as suas vontades, enquanto pude estar com ela e, acredito que minha ausência deu a ela a liberdade para partir sem sentir meu sofrimento.

5 comentários:

  1. Ô minha querida, tenho me feito perguntas semelhantes e sei bem como as dúvidas nos atormentam. O texto chega no momento certo e tua dedicação à mãe é inspiração, pedindo ao Pai do Céu força, saúde e coragem para seguir dando o meu melhor. Que bom que encontraste um oásis de paz pelas palavras do médico sábio. Que ele se transforme em continente, como mereces. Abraço bem grande!

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  2. Não é fácil passar por isso, mas todos nós vamos passar por situação semelhante. Quando meu pai estava internado minha mãe pediu que eu fosse passar uns dias com ela porque ela estava muito triste e sozinha. Naquela altura eu pensei que meu pai ia se recuperar e minha mãe apenas precisava de carinho, mas quando cheguei lá vi que meu pai estava extremamente debilitado e ninguém conseguia perceber isso, minha irmã achava que ele ia voltar pra casa e tudo ia ficar bem.
    Eu resolvi passar uma noite no hospital com ele mas ele teve complicações e a médica perguntou se eu queria que ele fosse reanimado ou que deixasse ele partir, eu tenho certeza absoluta que ele não queria viver daquele jeito e deixei que ele partisse. Não era o que minha mãe e irmã queriam mas elas não conseguiam enxergar a realidade. Ele já tinha 84 anos e muitos problemas físicos, mas o mais importante é que foram anos muito bem vividos, meu pai conheceu o mundo inteiro ( e eu fui aquela menina com canetinhas, tênis e roupas diferentes que ele trouxe de lugares remotos da África, Arábia Saudita ou da França), nos ajudou de todas as formas possíveis e nos deu muito amor, portanto já era hora de descansar. Depois que ele partiu foi difícil para minha mãe viver sozinha, mas agora ela pode viajar e fazer tudo o que sempre quis.
    Já cheguei à conclusão que é importante se cuidar para envelhecer bem (e meu pai não se cuidava), como minha mãe que fez atividades físicas a vida inteira e sempre se alimentou direitinho. Espero que ela ainda viva bem por muitos anos !
    Beijos
    Laís

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  3. Beth, estou me debulhando em lágrimas. Que texto lindo. E sua dor sobre sua mãe. É tão óbvio e tão abominável a partida de quem amamos.
    Abraços

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  4. Beth querida, cada um de nós que já perdeu um ou mais entes queridos, deveria ler esse texto. Todos os meus amigos mais íntimos, e eu mesma, já passamos por essa dor inominável, que é a da culpa. Quando meu pai se foi, eu tinha 14 anos e me culpei por não abraçá-lo mais, por não lhe dizer o quanto era importante para mim e o quanto o amava. Hoje, tenho certeza de que ele sabia disso. Quando minha mãe se foi aos 72 anos, mais de 20 anos depois, cheguei a me culpar por não forçá-la a se internar para uma possível cirurgia. Ela detestava hospitais e teria sido horrível para ela passar seus últimos dias em um. Este foi meu maior consolo. Acredito que, no fundo, o sentimento de culpa é uma presunção/pretensão nossa, por acharmos que temos que ter sempre a resposta certa e a solução para tudo. Nosso coração é que deve falar mais alto em determinados momentos e, se agirmos segundo o que ele nos recomenda, que venha a abençoada paz. Através do teu blog pudemos acompanhar teu carinho e dedicação para com tua mãe; fica com a paz que mereces, minha amiga.
    Beijo grande

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  5. Beth, também passei por essa situação quando meu pai ficou por meses na minha casa e minhas dúvidas eram muito semelhantes. O mais importante pra mim era que ele não sofresse e que eu soubesse fazer o que fosse melhor pra ele. Você certamente fez o que pôde e há um momento que o melhor que podemos fazer é deixá-los descansar em paz, cuidando pra que a nossa própria vida siga seu curso. Beijos com carinho.

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